top of page

Elas, Folkianas

​​

Negras. Diferença de idade: 13 anos. Cantoras, compositoras e guitarristas. Os álbuns epónimos surgiram com a média de idade de 25 anos, nos anos 70 e 80 e trouxeram distinção. Por opinarem que a forma como as coisas são feitas no show business não se coaduna com os seus princípios e valores, impuseram uma regra tácita de rejeitar nutrir com matéria as revistas cor-de-rosa. São embaixadoras da natureza musical abordada. 

 

A década de 70 foi fecunda e próspera para a industria musical de um extremo ao outro do Atlântico, com novas linguagens de expressão: punk, new wave, heavy, rock progressivo, soul, reggae e disco. Porém, entre os nomes que são autênticos guias turísticos da receptividade de cada género mencionado, a criatividade concedeu especial cuidado à questão da filológica e ao acto de compor na folk que, sem dúvida, teve como rei e rainha dois notáveis que se salientam entre outros – Bob Dylan e Joan Baez. É de crer que essas individualidades exerceram uma influência afectiva na cantora nascida em Basseterne, capital do menor estado soberano das Américas em extensão territorial e em número de colmeias humanas – Ilha de São Cristóvão – colonizada por ingleses em 1623, tornando-se, em 1967, num estado integrante da Comunidade Britânica das Nações.

 

 

Vinda ao mundo a 9 de Dezembro de 1950, Anita Barbara Joan Armatrading, além de ter vivido no arquipélago das Caraíbas, antes de imigrar para Inglaterra, viveu em São Paulo, situação que aparentemente marcou a sua carreira… Ao décimo quarto ano da sua vivência, começou a escrever canções, dando uns toques num antigo piano, cuja finalidade do instrumento, reservava-se, apenas, a decorar a sala. Como no capítulo financeiro a família vivia dolorosamente, conta a história que pretendendo auxiliar a derrubar o rumo da situação, aos 15 anos abandonou os estudos, empregando-se numa fábrica em Birmingham. Contudo, não resistiu ao despedimento quando tocou viola durante o intervalo colectivo para o café.

 

 

Com o precoce abandono da escola e desempregada, parecia que a sua vida estava de pernas para o ar. Mas como queria seguir no encalço de inserir-se no meio artístico e ser aceite, continuou a compor. Em breve, na universidade frequentada por um dos seus irmãos, deu um concerto. A actuação, composta por temas originais e por uma única versão para agarrar o público – «The sounds of silence», de Simon & Garfunkel – não foi nenhuma desonra, despertando ainda mais os seus objectivos. Aos 22 anos, surge a oportunidade de editar o primeiro dos seus 22 álbuns. Em quatro décadas de carreira, Armatrading, não só foi a primeira artista feminina do Reino Unido a entrar directamente para o 1º lugar da tabela norte-americana da Billboard, como a ser nomeada para um Grammy na categoria de blues, com o álbum «Into the blues», de 2007. Mas não é sobre este álbum que empreende a narração…

 

 

Voltamos ao passado distante de 1976 para encontrar o terceiro LP da contralto enamorada por guitarras Ovation, tendo como preferências musicais Ella Fitzgerald e Gustav Mahler (director de orquestra e compositor das sinfonias mais longas que, por necessitar de imensos músicos para as tocar, também eram as mais dispendiosas). Produzido por Glyn Johns, descreve a frágil natureza afectiva observada no nosso semelhante, relacionada com o desgosto resultante da infidelidade, o aperto da dor e a força reabilitadora do amor que nos torna capazes de desejar superar o sofrimento. O disco abre com «Down to zero». Segue-se «Help yourself», denominado pelo trabalho harmónico criado nas teclas por Peter Wood e pelos arranjos de cordas de Brian Rogers. A balada «Love and affection», proposto para aceitação do álbum, é um momento especial marcado pela tessitura da voz grave de Clarke Peters, que juntamente com «Down to zero», a cantora interpretou no programa televisivo Saturday Night Live, emitido na NBC a 14 de Maio de 1977. Aliás, nos concertos dados no novo século, além de evocar o álbum através dessas canções, também o relembra com «Tall in the saddle», cujo início evidência perfeita simbiose entre a guitarra acústica e a guitarra eléctrica de Jerry Donahue, criando um harmónico efeito e um diálogo estabelecido com o baterista Dave Mattacks, aquando a inteligente mudança de ritmo, exprimindo vestígios de música funk. Essa associação heterogenia é notória na eficaz articulação entre piano (Peter Wood), guitarras e na segura e competente secção rítmica em «Join the boys», de maneira que existe coesão na edificação textural da rede regular de tempos fortes e tempos fracos da frase musical de «People».

 

Em 1986, num recanto do sossegado Bairro de Santa Cruz de Benfica, denominado Jorge Nunes Alves (actual Audioteam), ouvi pela primeira vez este LP. O curioso é que, depois da audição casual, as canções teimavam ocupar lugar preponderante na minha Caixa Idiota Instruída (cérebro). Esta impressão torno a viver sempre que o ouço, uma vez que a concepção do disco foi planeada para que ouvintes alheios à sonoridade de folk-pop, passem a dar atenção aos cenários bem ligados de cada uma das 10 faixas. Efectivamente, com excepção de «Save me», à medida que a agulha percorre as estrias do vinilo, fica a sensação que o tema acabado de escutar é superior ao anterior, constituindo um álbum que se ouve de fio a pavio.

 

Natural de Cleveland, Ohio, onde nasceu em 1964, Tracy Chapman, formada em antropologia e ciente da formação académica recebida num colégio cristão, inserido num programa de ajuda a frequência em escolas privadas de estudantes de famílias desfavorecidas, denota grande inteligência e sensibilidade para ressaltar o que valoriza na vida, sendo uma activa defensora de causas que não perde uma oportunidade de militar pelos direitos humanos. Desse ponto de vista, o álbum de estreia da norte-americana, aborda essa militância nos três primeiros temas: «Talkin´ bout a revolution», «Fast car» e «Across the lines».

 

Nos dois primeiros meses da edição (Abril e Maio de 1988), as vendas prosseguiam lentamente, mas decorridas 8 semanas, aquando a participação da cantora no concerto difundido para todo o mundo de celebração do 70º aniversário de Nelson Mandela (bastião de causas nobres), em Wembley, onde a voz maravilhou o público, as vendas do disco subiram em flecha, alcançando o topo da tabela de vendas alemã, americana, austríaca, britânica, dinamarquesa e neozelandesa, traduzindo-se em mais de 15 000 000 de cópias em todo o mundo (só no território do tio Sam venderam-se 6 milhões de cópias, reflectidas na conquista de 6 Discos de Platina).

 

Antes do trabalho de gravação efectuado em dois meses, na Califórnia, registaram-se contratempos… Quando Charles Koppelman, responsável pelo contrato assinado com a editora, apresentou a demo de «Talkin´ bout a revolution» a um leque de produtores, as recusas foram tantas que faz reflectir em que medida há desejo de encontrar novos talentos de real valor para vitalizar a indústria discográfica? As negas baseavam-se no argumento de não aceitação pelo público, por ser uma sonoridade em contra ciclo com, a meu ver, à superficial música dançante fabricada nos anos 80, que não tem fundamento algum para manter-se na nossa memória, comparando-a a água com farinha (tipo bolacha de água e sal). Depois de encontrar alguém para o produzir, o inesperado aconteceu: vitima mortal num acidente rodoviário. Com esse imprevisto, David Kershenbaum foi o produtor de serviço, aceitando as sugestões de Chapman, baseadas na captação mais simples possível; resultado: produção clara, sem corantes nem conservantes.

 

Além dos hits mencionados e de «Baby can i hod you» (interpretou em dueto com Luciano Pavarotti no concerto a favor dos desfavorecidos no Camboja e no Tibete, materializado no álbum «Pavarotti and friends»), destaco a interpretação a cappella de «Behind the wall», realçando em «Moutains o´ things» as referências incontornáveis a sons africanos na performance do saudoso percussionista Paulinho da Costa, bem como na guitarra de Jack Holder, que desenha sonoridade reggae em «Shes´s got her ticket».

 

Tendo começado a tocar guitarra e a escrever canções aos 8 anos, sendo descoberta numa actuação num bar por Brian Koppelman (filho e olheiro de Charles Koppelman), o primeiro álbum de Chapman foi nomeado para Álbum do Ano, tendo, em Fevereiro de 1989, sido distinguida em três categorias: Melhor Nova Artista, Melhor Gravação de Folk Contemporâneo e Melhor Interpretação Vocal Pop Feminina por «Fast car» – canção inclusa e posicionada no número 165 da lista das 500 Maiores Músicas de Todos os Tempos, elaborada pelo magazine Rolling Stone.

 

 

Etiqueta: A&M Records, Inc.

 

Referência: SP - 3228

Etiqueta: Elektra

 

Referência: 9607741

(Ghost4u)

Joan Armatrading

 

"Down To Zero"

Tracy Chapman

 

"Talkin´ ´Bout A Revolution"

bottom of page